Fabulação Especulativa
4 min readFeb 11, 2024

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Pelado (ficção)

Homem Nu em Pé, de Egon Schiele

Tive uma puberdade tardia. Eu era muito pelado. 
Eu tinha raros pentelhos. Um buchozinho na região pélvica. Isso me trazia muita dor. 
Adolescente, eu tinha vergonha que meus colegas me vissem nu. A aula de ginástica era um suplício. Tínhamos que ir ao vestiário trocar de roupa e eu não queria que descobrissem que eu não tinha pelos no saco. Por isso, trocava de roupa no lavabo, o que era muito humilhante. 
E depois da ginástica, havia o banho, mas o chuveiro era coletivo. Eu preferia não me lavar e voltava para a aula suado. Meus colegas zoavam. Nos dias de aula de natação, eu tomava banho de sunga e entrava depois no lavabo para me secar e trocar a roupa. Muito traumático. 
Com poucos pelos, eu me sentia menos homem. Nenhuma menina iria querer transar com um garoto pelado como eu. Por isso minha iniciação sexual começou tardiamente com prostitutas. E continuou com prostitutas por muitos anos. 
Por uma peça do destino, os pelos começaram a se multiplicar pelo meu corpo a partir dos 20 anos, a ponto de eu me tornar um “ursinho”, como me chamava uma das putas pela qual me afeiçoei. Eu comecei a me achar mais másculo. E meu desempenho sexual melhorou. 
Porém, alguns anos mais tarde apareceu essa moda da depilação íntima. Nos filmes de pornografia todas as meninas apareciam completamente depiladas. Aquela moda das mulheres com grande arbustos começou a desaparecer. As meninas iam à praia com biquínis cada vez menores e passaram a aderir a chamada “cera brasileira”, que era uma técnica de depilação íntima. Por causa disso, desinteressei-me completamente pela pornografia, que cada vez mais era realizada sem mistério, sem aventura. 
Eu confesso que comecei a ter um asco de moças completamente depiladas. Quando saía com uma garota nessa situação, isso era brochante. As meninas achavam que havia algo de errado com a minha sexualidade. Mas eu gostava mesmo era de mulheres peludas na virilha, em que os fartos pentelhos fossem como uma mata densa e misteriosa que eu teria de desbravar. Como no quadro “A Origem do Mundo”, daquele pintor francês do século XIX, Gustave Courbet. No final da floresta haveria uma gruta úmida e refrescante onde poderia me abrigar confortavelmente. Por isso evitava moças peladas no púbis. 
Mas com Raquel foi diferente. Gostei de Raquel antes de ela se despir para mim. 
Ainda me lembro daquela noite quando fomos num motel para nossa primeira noite. Ela usava uma cinta-liga negra que protegia o seu sexo como uma muralha. E ela foi retirando aquela fortaleza devagar apenas para meu deleite. Até que se revelou nua e completamente depilada. 
Eu reagi mal, perdi imediatamente o desejo. Raquel não entendeu. Achou que talvez ela tivesse algum problema físico e eu a estava rejeitando. Mas insisti que não era isso, que o problema era comigo. Inventei uma desculpa, tomei escondido um daqueles remédios e consegui me recuperar. Satisfeita, Raquel começou a me despir. Mas quando eu estava completamente pelado, foi dessa vez Raquel que pareceu pouco à vontade. 
Aquela primeira noite foi muito ruim para nós dois. Mas mesmo assim insistimos e continuamos a sair juntos. Tínhamos muitos pontos em comum em termos de cultura. E havia uma química amorosa acontecendo entre nós dois. Mas demoramos a ter outro encontro íntimo. 
Foi quando Raquel abriu o jogo comigo. Ela me disse que tinha um trauma com homens muito peludos. Isso vinha de um tio hirsuto que a molestou. Por causa disso, ela sempre tinha pesadelos com ursos, que a ameaçavam em florestas sombrias. Então me perguntou se afinal eu não toparia fazer uma depilação no corpo todo, inclusive nas partes íntimas. Ela poderia me indicar uma boa casa do ramo de estética. Ela falou que isso era habitual e que todos os rapazes com quem tinha saído estavam fazendo depilação de corpo inteiro. Isso iria melhorar muito a nossa vida sexual. 
Ela nem me pediu aquele favor como uma imposição. Não havia constrangimento em seu tom de voz. Para Raquel aquilo era muito natural. Quando me vira nu, era como se estivesse diante de um homem das cavernas, um selvagem incivilizado, um bárbaro. Raquel era uma moça refinada. Ela gostava de coisas limpas, transparentes, higienizadas. Um homem limpo de pelos era uma questão asséptica. Uma noção de ordem cósmica. Um desejo de que a vida fosse mais às claras, sem subterfúgios. 
Tive que parar de ver Raquel. Foi uma pena. Ela é uma menina legal.

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Fabulação Especulativa

Experimentos Mentais, por Guilherme Preger, engenheiro de Telecomunicações, escritor e autor de Fábulas da Ciência (ed. Gramma, 2021), Rio de Janeiro